Colunistas

Templo para a cultura

José Nunes

Desço pela rua principal de Serraria procurando nas casas os resquícios de minha infância, os detalhes dos olhares guardados que vão se revelando a cada retorno.

Em tantos os anos de ausência de Serraria, desde 1970, consolava-me a saudade de mim mesmo, o menino que continuava agarrado às pequenas coisas do lugar, guardadas e revistas a cada momento de saudade.

Mesmo no naufrágio das ilusões retardadas, sempre lembro da mensagem de São Paulo, apóstolo, na Epistola aos Hebreus: “Lembrai-vos dos dias passados, aproximadamente vividos e sofridos – vencidos.”

Isaias, profeta, séculos de Paulo, dizia: “Lembrai-vos das coisas passadas”.

Boas ou angustiantes, às coisas passadas dou graças. Ao poeta Jorge de Lima recorro lembrando de seu poema “Invenção de Orfeu”, como consolo: “O´ passadas vivências, dai-vos graças”.

Em tudo mora a eternidade. Basta ir ao encontro. Encontrar é o mistério. Em Deus tudo se cria. Quando destruído, em Deus o espiritual se recria e floresce. Tantas vezes caímos e levando-se ao sopro do vento abrasador que desce da Cruz, o sangue e a água a aspergir o corpo.

Quando percorro as ruas de Serraria, sempre recordo seu passado que esteve tão perto de mim. Muitos que testemunharam as veredas que continuam abertas, a cruz sendo plantada como símbolo do perpétuo.

O café, a cana e a agave dando condições para que os centros industrializados pudessem conhecer sua riqueza. Amsterdã recebia o produto para suas cordas que nem sabia de da procedência.

Há mais de cem anos o café com seu aroma inconfundível produzido em Serraria ganhava prêmio nacional no Rio de Janeiro e a rapadura adocicava as mesas dos caboclos do sertão.

Lembro das palavras do Profeta, do Apóstolos e do Poeta para alimentar as imagens da gente que construíram Serraria, esta Princesa do Brejo.
Um ambiente vai preservar todo seu passado.

A administração municipal anuncia a instalação de um espaço onde nosso passado estará presente. O prefeito Petrônio Freitas pretende transformar a centenária cadeia pública, desativada, em ponto de cultura.

A exemplo de outras cidades do Brejo paraibano, Serraria tem uma história rica em de fatos e manifestações folclóricas de tradições que nos orgulham, com uma paisagem exuberante, um ambiente encantador.

Com a decisão do prefeito em transformar o lugar onde recolhia-se delinquentes em um centro de cultura, espaço para guardar pedaços de nossa história, nos deixa por demais ancho.

Terra das palmeiras que os poetas cantam, seus talentos que se espalham pelos quatro cantos do país, seja na música, na poesia, nas artes plásticas, na literatura ou na política serão acolhidos em um espaço privilegiado.

Quando descer as ruas de minha cidade, meus olhares estarão voltados para este lugar onde estarão os rastros de nossas famílias, os resquícios do apogeu político e econômico de Serraria, baseado no café, no agave, na rapadura e na cachaça.

José Nunes

Da Academia Paraibana de Letras, do IHGP, jornalista, cronista

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