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O DISCURSO QUE MUDOU A HISTÓRIA DO BRASIL

O jornalista Márcio Moreira Alves, deputado integrante do MDB da Guanabara, e autor do livro “Torturas e Torturados”, tornou-se um personagem importante da história política nacional, nos anos da ditadura militar. O Brasil, nos dias que antecediam o 7 de setembro de 1968, vivia um clima tenso, em razão das manifestações públicas de protesto ao regime de força que se instalara desde 1964. A juventude estudantil se afirmava como porta voz da insatisfação popular ante o governo autoritário que os militares estavam impondo à sociedade brasileira, recebendo o apoio de intelectuais, religiosos, artistas e do povo em geral.

Havia uma expectativa muito grande em relação às comemorações do Dia da Independência, quando os militares procuravam acender o sentimento cívico nacional, estimulando participação patriótica dos colégios nos desfiles de 7 de setembro. As lideranças estudantis enxergavam nesse evento a oportunidade de expressar o repúdio coletivo ao regime, tirando o brilho das marchas comemorativas da data e provocando os ditadores.

Essa intenção ganhou força a partir do discurso histórico proferido pelo deputado Márcio Moreira Alves, na Câmara Federal, no dia 2 de setembro de 1968, sugerindo o boicote às comemorações do 7 de setembro. Ele fazia um apelo aos pais para que não permitissem que os filhos desfilassem no Sete de Setembro ao lado de militares “carrascos” e que as moças não dançassem com cadetes no baile da Independência. Não imaginava o deputado, que aquele pronunciamento mudaria a história política nacional. O discurso teve pouca repercussão, mas os ministros militares o consideraram uma ofensa às Forças Armadas. Instalava-se, a partir dele, a crise que culminaria com a edição do AI-5.

A Procuradoria Geral da República decidiu solicitar ao Supremo Tribunal Federal a cassação do parlamentar por “uso abusivo do direito de livre manifestação e pensamento e injúria e difamação das Forças Armadas”. O processo, no entanto, para ser aberto, necessitava da autorização da Câmara dos Deputados. A maioria dos parlamentares, inclusive da Arena, resistiu à proposta de conceder licença para dar sequencia ao processo de cassação, com o plenário confirmando a negação no dia 12 de dezembro, após ouvir o discurso de defesa do deputado. Antes da manifestação da Câmara ele afirmou: “Apagado o meu nome, apagados os nomes de quase todos nós da memória de todos os brasileiros, nela ficará, intacta, a decisão que em breve a Câmara tomará. Não se lembrarão os pósteros do deputado cuja liberdade de exprimir da tribuna o seu pensamento é hoje contestada. Saberão, todavia, dizer se o Parlamento a que pertenceu manteve a prerrogativa da inviolabilidade ou se dela abriu mão”. Naquela memorável sessão, presidida pelo mineiro Bonifácio Andrada, mais conhecido por Zezinho Bonifácio, 216 deputados votaram contra o pedido de licença para processar o parlamentar, 141 a favor e 12 se abstiveram. O governo do general Costa e Silva usou o episódio para baixar o AI-5 na sexta feira, 13 de dezembro e escancarar a ditadura.

O deputado, a pedido dos ministros militares, foi processado com base na Lei de Segurança Nacional, ainda que a Constituição Federal de 1967, em seu artigo 34 previsse que deputados e senadores eram “invioláveis no exercício de mandato, por suas opiniões, palavras e votos”, e no parágrafo primeiro, dizia que os membros do Congresso Nacional não poderiam ser presos “salvo flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara”. Cassado pelo AI-5, deixou clandestinamente o país ainda em dezembro de 1968, e só voltou em 1979, com a anistia. Foi, sem dúvida, um dos políticos mais enfáticos no enfrentamento da ditadura, chegando a proclamar em um dos seus pronunciamentos: “O que este regime militar fez no Brasil foi transformar cada farda em objeto da execração do povo, transformando as Forças Armadas em valhacouto de bandidos”. Era um defensor intransigente da democracia.

Rui Leitão

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