O amor que não se tem
Alberto Arcela
Nelson Gonçalves foi o último porta voz da boemia, tendo legado para a posteridade alguns clássicos desse período a exemplo de Hoje quem paga sou eu e a impagável canção Meu vício é você, onde mergulha no amor sem limites e concede mil perdões.
Guardadas as proporções, era a mesma apologia ao amor exagerado cantado por Cazuza, e a mesma celebração do amante resignado presente na Cadeira vazia de Lupicínio Rodrigues, que não consegue perdoar, mas ao mesmo tempo se satisfaz com a sua presença.
Tudo isso só acontece porque a música sempre foi buscar na paixão enlouquecida, inspiração para escrever os seus versos. Seria como se a química se unisse à gramática para tentar explicar fórmulas que beiram a loucura.
É o caso, por exemplo, do poema Fanatismo da poetisa portuguesa Florbela Espanca, que mergulha na entrega definitiva não apenas do corpo, como também da alma da artista, se isso é possível de acontecer.
É a mesma entrega de Elis Regina, naquela que é uma das melhores interpretações de todos os tempos de uma canção de amor, a belíssima Atrás da porta, uma parceria de Francis Hime com Chico Buarque, onde entra em cena o amor desesperado.
Sempre choro, como ela, quando escuto essa música, onde aflora o olhar de adeus e morre pouco a pouco a esperança de uma reconciliação que nunca vem, e uma conjunção que nunca mais vai acontecer.
Outra canção desesperada que sempre me vem à mente é o Vento no litoral, de Renato Russo. Nela, o poeta pergunta onde a pessoa amada amada está, além de dentro de si, no pensamento e no coração.
É a mesma ausência da Tempestade de Zélia Ducan onde a natureza, também ela, conspira com seus raios, relâmpagos e trovões para aumentar dinda mais a tristeza que não cabe no peito.
Só por isso, existe a incorporação da dor e do sofrimento, e certas canções remetem a amores interrompidos e amantes abandonados no livre exercício da solidão.
São as chamadas músicas de cabeceira, providencialmente instaladas ao lado da cama, que provocam lágrimas e ativam lembranças que contribuem para a epidemia de ansiedade que assola a população.
No mais das vezes, essas canções embalaram juras de amor e promessas nem sempre cumpridas, além de servirem de trilhas sonoras de sonhos e filmes nem sempre com um final feliz.
Mas, com certezas as canções não seriam as mesmas se não existisse o amor em toda a sua plenitude. Não consigo imaginar um bolero ou um samba canção sem alguém dizendo o que se quer ouvir. De preferência sussurrada no ouvido ou até mesmo uma queixa de um amor delicado.
Só por isso, consegui ver no vício de quem não quer perder o que não se tem, o mesmo amor que agoniza, mas não morre em tantas outras canções.
O amor que não tem sexo nem idade e machuca a todos, indistintamente em algum momento de suas vidas.
E que deixa de ser amor, para ser um vício que não se consegue largar.O vício que também embriaga e que provoca dependência para toda a vida.
O gostoso veneno de quem sabe que todo amor sempre vale a pena.