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Infinito em sua paternidade

José Nunes

O gesto de paparicar netos, que extrapola o carisma de pai, ecoa no Dia dos Avôs.

Numa perspectiva de vida longa, quando nasce um neto, completa-se o ciclo da existência humana, já dizia os antigos.  

Como buscador de sentimentos íntimos, se recolhe nos netos os gestos dos filhos, nos mistérios do amor de pai. 

O neto é o espólio recebido sem merecer. Brota da semente do filho, e desta, em replantio, germina com novas vidas. Simples de explicar, e profundo no sentir. Tendo-o nos braços, principiamos sensações de diferentes etapas da biografia de afetos. 

A escritora cearense Raquel de Queiroz afirmava que o neto “é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo…”.

Nesse sentido, extrapolando horizontes do prazer, é indescritível ser avô. Avô que acolhe o neto renovado em bênçãos, como pétalas invisíveis semelhantes às luzes de todos os solares. 

Quando fazemos memória de Santa Ana e São Joaquim, revelados como os pais de Maria, a mãe de Jesus, recolhemos no abraço os filhos de nosso sangue, pequenos, mas imensos em asas douradas de anjos a pontilhar os caminhos derradeiros no horizonte.

Quando surgem nuvens do esquecimento no entardecer da vida, as lembranças dos filhos pequenos começam a sumir da mente, a presença dos netos é o consolo. As primeiras palavras balbuciadas, a benção do vovô, os bracinhos agarrados ao pescoço, os gracejos a nos acarinhar, as primeiras letras rabiscadas no papel, o primeiro livro a manusear…, tudo se transforma em temas para composição da história de nossa vida. Nada paga as alegrias dessas descobertas.

Nos netos, recordamos os filhos quando criança, e buscamos imagens adormecidas da nossa infância.

Haverei de recolher meus netos em um poema, uma palavra guardada no coração. Suas brincadeiras e os sorrisos espontâneos, como pétalas de rosa azul haverão de permanecer no jardim das lembranças.

Serei para meus netos o ancião de mãos trêmulas, de cabeça branca a apontar sorridente para a aurora, a revelar gestos dos antepassados. Como avô e avó, seremos aqueles que buscam a infinda liberdade para amenizar a dor e a ansiedade na proximidade do pôr-do-sol. 

Qual promessa farei aos meus netos, quando o mundo brutaliza as relações? Pergunta angustiante!

Avô quer chão fértil para o roçado dos netos, mais fecundo do que teve o filho. Terra com águo espiritual onde obtenha colheita superabundante.

Os netos confirmam nosso envelhecimento e com seus afagos noticiam a proximidade de nossa caduquez. Trazem um princípio de esperança na continuidade da descendência. 

O neto é gostado com ardente afeto, esse amor que extrapola limites da paixão humana, que chega ao êxtase do bem-querer. Com brincadeiras, criam paisagem mítica e eleva a alma ao alcance cósmico.

Para as perguntas de Deus que os adultos são conseguem responder, as crianças têm a resposta.

Estes seres tão pequenos nos fazem eremitas no deserto do nosso lar. Os jardins dos avôs riem com as futuras moças e rapazes, quando os pássaros aplaudirão a todos com suas asas, os livros falarão de mundos e sonhos. 

Nada distancia o avô do neto, como fez o poeta que carregava o olhar ao rio da infância visto da casa-grande, em cujas “águas do Capibaribe flutuam os sapatos do meu avô”. O poeta francês Victor Hugo acode-me com uma saudação aos netos:

                Sou um avô que ultrapassou todos os limites.

                Triste, infinito em sua paternidade, nada mais sou do que um bom e velho sorriso teimoso.

Na terça-feira (26), Dia de Santa Ana e São Joaquim, celebramos o Dia dos Avós.

José Nunes

Da Academia Paraibana de Letras, do IHGP, jornalista, cronista

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