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Dona Inês: a pequena cidade paraibana que se reinventa como destino de turismo de experiências no Curimataú

Por trás das serras e das memórias preservadas, um novo olhar sobre o interior nordestino surge com força em Dona Inês, onde a natureza, a cultura e a história se entrelaçam para transformar a cidade em um polo turístico surpreendente.

Localizada no coração do Curimataú paraibano, a cidade de Dona Inês é o tipo de lugar que, à primeira vista, pode passar despercebido por quem viaja apressado pelas estradas do interior. Mas bastam poucos quilômetros percorridos e uma conversa com os moradores para perceber que ali pulsa uma vocação turística silenciosa, que ganha contornos cada vez mais nítidos. Emoldurada por serras, trilhas, mata nativa e uma rica herança cultural, Dona Inês inicia uma guinada no seu desenvolvimento, apostando no turismo de aventura e de experiências como vetor de transformação econômica e social.

Com pouco mais de 10 mil habitantes e situada a cerca de 160 km de João Pessoa, Dona Inês está a mais de 480 metros de altitude — o que lhe confere clima ameno durante boa parte do ano. Cercada por paisagens naturais que combinam beleza, biodiversidade e rusticidade, a cidade começa a construir uma identidade turística que respeita sua história, valoriza seus saberes e aposta no protagonismo da própria comunidade.

A virada estratégica começou com a criação do Plano Municipal de Turismo da Serra de Dona Inês, desenvolvido com apoio técnico do Sebrae-PB. O plano trouxe organização, capacitação e metas concretas: promover o destino, qualificar os serviços e integrar a cadeia produtiva local. “Era preciso enxergar o que já existia, e canalizar isso de forma profissional. A cidade tem um enorme potencial natural e cultural, mas era preciso transformar isso em produto turístico”, explica o secretário de Cultura e Turismo, Josenildo Fernandes da Silva.

A memória como ponto de partida

Logo na chegada, Dona Inês apresenta seu cartão-postal: o Espaço da Memória, um projeto que transformou um terreno baldio em centro vivo de cultura e história. Aberto ao público diariamente, o espaço reúne uma réplica de casa de massapê, uma antiga Casa da Farinha e da Casa do Sisal, peças de artesanato, fotografias e até um auditório para oficinas e eventos. O local virou parada obrigatória para visitantes e orgulho para os moradores.

“O Espaço da Memória emociona quem volta à cidade depois de décadas, mas também ensina aos mais jovens de onde viemos”, destaca Mariano Ferreira, poeta, cordelista e idealizador do projeto. Ele também preside o Conselho Municipal de Cultura e é um dos nomes à frente da proposta de transformar a cidade num polo de turismo de base comunitária.

Quatro roteiros, múltiplas experiências

Com a identidade local fortalecida, vieram os roteiros turísticos estruturados. Hoje, a cidade oferece quatro experiências distintas, que se complementam: o Roteiro da Mata do Seró, o Roteiro das Pedras, o Roteiro do Curimataú e o Roteiro da Caatinga. Cada um deles valoriza uma faceta da cidade: da biodiversidade às formações rochosas, da história geológica às vivências tradicionais.

O Roteiro da Mata do Seró é ideal para quem busca contato com a natureza. A caminhada pelas trilhas leva os visitantes até clareiras com bancos e mesas talhadas em pedra, perfeitas para piqueniques em meio à vegetação nativa. O percurso inclui ainda a visita à Furna da Onça e ao Lajedo das Macambiras, encerrando com um almoço no restaurante da mata — onde a gastronomia regional é servida com simplicidade e afeto.

Já o Roteiro das Pedras desafia os mais aventureiros. A trilha passa por cachoeiras, mirantes e blocos rochosos milenares que acumulam água da chuva, formando tanques naturais. A experiência culmina com rapel na Pedra Lavrada, atraindo adeptos de esportes radicais e amantes de geoturismo.

O Roteiro do Curimataú convida a explorar cânions, ofurôs naturais, pinturas rupestres e a desafiar-se no rapel na Pedra do Batente. É uma imersão no passado geológico da região, combinada com paisagens de tirar o fôlego. Já o Roteiro da Caatinga apresenta o sertão em sua essência: vegetação típica, clima árido, belezas brutas. Ao final, o almoço no Bar da Célia, um restaurante típico gerido por uma empreendedora local capacitada pelo Sebrae, fecha o passeio com sabor e acolhimento.

A pedreira que conta histórias

Dona Inês também carrega marcas de sua economia do passado e do presente. A cidade abriga uma pedreira centenária, ainda em atividade, que lembra o garimpo de Serra Pelada — e que hoje emprega mais de 400 famílias. Em uma ação que une arte e identidade, o bloco mais alto da pedreira foi transformado em mural de grafite, com pinturas que narram a origem da cidade a partir dos relatos orais dos mais antigos. É o retrato de um tempo onde memória, trabalho e território se fundem.

Quilombolas, artesanato e um pôr do sol inesquecível

Outro ponto alto da experiência em Dona Inês é a visita à Comunidade Quilombola Cruz da Menina, onde o visitante conhece as raízes afro-brasileiras preservadas por gerações. A tarde se encerra no anfiteatro do Cruzeiro, onde o sol se despede tingindo o céu de tons dourados e alaranjados. É ali que o silêncio ganha peso, e a simplicidade da paisagem encontra seu ápice.

Ao lado, o artesão Sérgio Teófilo exibe suas obras em madeira de umburana. Autodidata, Sérgio encontrou na arte uma forma de expressar a alma de seu povo — esculpindo aves, peixes e santos com poucas ferramentas, como uma faca e uma lixa. Suas peças, antes vendidas em feiras locais, hoje circulam em galerias da capital e de outros estados, colocando Dona Inês no mapa também da arte popular nordestina.

Um futuro que honra o passado

Dona Inês começa a provar que desenvolvimento e preservação podem andar juntos. Ao apostar no turismo de experiência com base comunitária, a cidade não apenas gera renda e fortalece sua economia, como também resgata e valoriza aquilo que a torna única: sua cultura, sua paisagem, sua história.

O caminho, como destacam os próprios moradores, ainda é longo. Mas o primeiro passo já foi dado — com planejamento, envolvimento coletivo e um desejo genuíno de se mostrar ao mundo sem abrir mão da própria essência. Dona Inês é, acima de tudo, um convite: para olhar com mais atenção o interior, suas histórias e suas possibilidades. Uma prova de que, no Nordeste profundo, há muito mais do que se vê à primeira vista.

Fotos: Marcos Pimentel

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