Cora
Alberto Arcela
Minha mãe se chamava Cora, um nome singular que remete a coragem e que mais tarde, com o advento da poetisa e contista Cora Coralina, passou a significar também um exemplo único de inspiração divina.
O meu avô que era intelectual e escritor, e que foi sócio fundador da Academia Paraibana de Letras, provavelmente não chegou a conhecer a obra da escritora de Goiás, e deve ter escolhido o nome da minha mãe por outras razões que eu desconheço, mas foi uma justa homenagem.
A Cora das letras encanta e seduz. E acho até que deveria ser a autora que toda mulher deveria conhecer. Beber na fonte de sua sabedoria, sonhar os seus sonhos, mergulhar no seu mundo.
Cora Coralina é extraordinária e super atual. Suas mulheres tem muito a dizer. Relendo o instigante Mulher da Vida, pude compreender melhor o que sentia quando caminhava por entre os cabarés do centro da cidade.
Versos como “ mulher da zona, mulher da rua, mulher perdida, mulher à toa, mulher da vida, minha irmã “, me transportaram para um passado não tão distante assim, que descortina um presente de irmandade, solidariedade e sobrevivência.
Outros, como “ Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou, ensinou a amar a vida, não desistir da luta”,revelam a vigilância e a resistência que, com o passar do tempo, resgataram a dignidade e a escravidão consentida de pessoas que diziam fazer parte da família, mas que eram na verdade resquícios de um passado sombrio.
Isso num tempo distante de racismo, onde a mulher chegava a ser violentada em engenhos e atravessava gerações cuidando de parentes que não eram seus, a simples existência de uma pessoa como ela, que não era a voz do dono, mas era a dona da voz, é digna de registro e merece todas as nossas homenagens. Eu fiz a minha parte, ao registrar a minha filha mais nova com o primeiro nome do pseudônimo da poetisa. No caso, uma dupla homenagem à mulher que me ensinou a ler livros e a autora de versos iluminados como esses.
“ Nas palmas de suas mãos, leio as linhas da minha vida. Linhas cruzadas, sinuosas, interferindo no teu destino.”
Curiosamente, essa escritora iluminada lançou o seu primeiro livro aos 76 anos, numa época em que as pessoas dessa idade, esperavam a morte chegar. A espera, contudo, lhe fez bem, porque ela soube buscar na maturidade ânimo e inspiração para continuar escrevendo, como no poema ressalva quando confessa.
“ Este livro foi escrito por uma mulher que no tarde da vida recria a poetisa a sua própria vida.”
Vejo nela a mulher definitiva que a tudo sabe e a tudo vê. E, o que é mais importante, vê com o coração de quem tinha mais amor do que pôde dar. Só sei que o nome atrai boas energias, porque a Cora filha, assim como a Cora mãe, faz da leitura o seu maior passatempo.
Tudo isso me veio à mente no dia da mulher do ano santo de 2024, em pleno século vinte e um, bem distante do tempo em que as mulheres eram criadas para serem esposas e mães.
O tempo de Cora Coralina, que só cursou até o terceiro ano primário, mas continua sendo a melhor professora de todas as mulheres desse país, como revelam esses versos.
“ Sou mulher como outra qualquer. Venho do século passado e trago comigo todas as idades.”
E viva a mulher.