Ainda Estamos Aqui
Alberto Arcela
Tenho de confessar que não tenho mais idade para fortes emoções. Mas, isso não impede que alimente paixões nem sempre retribuídas, e muito menos que renuncie ao prazer de ler um bom livro ou de assistir a um bom filme.
Por isso, me enchi de coragem para conferir o trabalho de Walter Salles que colocou o Brasil no centro das atenções e fez o país sonhar com o seu primeiro Oscar.
É bem verdade que o filme, baseado no livro de Marcelo Paiva, chega às telas num momento em que se debate os regimes de exceção e a luta pela democracia e a liberdade.
Mas, é inegável que a interpretação de Fernanda Torres, que faz a mãe de Marcelo no longa,rouba a cena todo o tempo, muitas vezes sem dizer uma única palavra.
Igual a sua própria mãe, Fernanda Montenegro, que surge no final de Ainda Estou Aqui, sem nenhuma fala, passando a emoção pela expressão e pelo olhar.
O bom disso tudo é que a própria personagem na vida real foi uma mulher admirável, que soube enfrentar a prisão e morte do marido – o deputado Rubem Paiva- com coragem e determinação.
E que, para tanto, ingressou na faculdade já com mais de quarenta anos, para lutar pelos seus próprios direitos, e também dos índios e povos originários.
Na pele das duas Fernandas, ela cresce ainda mais, com seu exemplo de mulher à frente do seu tempo, valente e destemida, buscando justiça ao mesmo tempo em que alimenta as suas crias.
E é justamente essa simbiose que cria uma empatia de imediato com o público, contando uma história que provoca e questiona os limites da opressão e da tirania.
De um certo, vi um tanto da minha mãe na figura de Eunice, e por isso chorei com ela e por ela.
Não cabia medo porque não tinha com quem compartilhar esse sentimento. E isso fica ainda mais claro porque ela tem de incorporar ambas as figuras – paterna e materna – e isso sem perder a sua essência.
O mais importante é dar um jeito. E nesse sentido, a música de Erasmo Carlos é o bálsamo para todo o mal. Mesmo que ele seja uma certidão de óbito, que também é nesse caso, um atestado de culpa.
Tem que dar um jeito, para que esse mal não se repita. A morte de um pela vida de muitos. O suplício de uma família pela redenção de muitas outras.
A verdade é que não apenas chorei, porque também aplaudi.
Ainda Estou Aqui é uma aula de cinema. A direção é impecável, a fotografia é deslumbrante, a trilha emociona e a interpretação é extraordinária.
Não apenas a de Fernanda, que faz por merecer o Oscar de melhor atriz, mas de todo o elenco, incluindo a cereja do bolo que é Fernanda Montenegro.
E é por tudo isso, que as nossas lágrimas, as minhas e as de Cora, não foram em vão. No mínimo vão servir para lavar a alma, como no banho da personagem que tenta expurgar a sujeira dos seus algozes, na volta para casa.
