Colunistas

Cipós e memórias

José Nunes

No tempo em que os governantes percorriam a Paraíba no lombo de cavalos, sentindo o aroma da terra e descobrindo suas riquezas, a população os recebia com rudimentares gestos. Os historiadores registram ter sido um tempo maravilhoso, apesar das dificuldades, de muitas descobertas e consolidação de sonhos.

Passando pelas matas do Brejo, Elias Herckmans ou seus emissários nada encontraram senão a hospitalidade do caboclo que não davam muita atenção às riquezas minerais como também da árvore da qual se extraia material para a pintura de tecido e madeira para móveis que ornamentariam pomposas residências.

Ao tempo em que descobriam a madeira de lei, de largos riachos retirando o peixe, os campos dando alimento e as matas oferecendo alternativas para exercício do corpo e da alma. 

O tempo passou, as moendas rudimentares e as máquinas imponentes chegaram para arrancar da terra a melhor cana e transformar em cachaça e açúcar.

A madeira cortada era transformada em objetos de usos nas residências, os cipós que fechavam os caminhos eram transformados em caçoais e cestos para utilidades pelas famílias.

Nessa terra os caboclos retiravam o que produzia a mata, e esses sublimares gestos humanos foram lembrados recentemente em Serraria, numa ação capitaneada pela prefeitura municipal, durante uma série de eventos promovidos para ressaltar o que a cidade tem de mais bonito, que são sua gente, sua paisagem, sua economia e seu frio.

Organizadores trabalharam temas voltados à realidade da região, mas sobretudo, o que existe de mais pomposo e belo na cidade de Serraria, a acolhida de sua gente, a sua economia e o seu frio. Em 2024, abordaram a questão da escravidão nos seus últimos dias no município, em bonitas representações teatrais encenadas por adolescentes e crianças. Na versão atual do Caminho do Frio, de forma magistral, o grupo de teatro buscou as raízes do caboclo que trabalha utilizando cipós encontrados nas matas, com os quais fabrica caçoais, cestos, balaios.

Foi uma semana em que a cultura, a gastronomia, a economia gerada a partir dos engenhos e fazendas de café ganharam dimensão magistral ao mostrar a força de sua gente que, no passado criaram perspectivas para o futuro promissor.

A semana foi oportuna para a cidade voltar seus olhares ao passado de sua gente, um tempo renovado nos gestos de homens e mulheres que ainda hoje trançam cipós, dando forma de arte ao que a mata fornece.

Um povo que sobrevive de suas lembranças fortalece e alonga sua história. Mais uma vez em Serraria as memórias dos engenhos, das fazendas de café, de cipós trançados, são uma demonstração da fina arte engrandece a todos.

A cidade estava engalanada, tinha brisa e perfumada, estando participando da festa, fui surpreendido pelos conterrâneos que na infinita bondade ofertaram mimo com objetos artesanais e produtos da terra.

Certamente seus antepassados, homens e mulheres que edificaram sua história, se regozijariam com tudo isso. Então, agora, lembraria do meu trisavô José Pedro da Costa, do meu bisavô coronel do café João Mendes e do meu avó José Nunes, sapateiro que construía sela e arreios, e tantos outros que, na atualidade, sentem, orgulho em dizer que são de Serraria. Terra amada, Terra das Palmeiras, Princesa do Brejo.

José Nunes

Da Academia Paraibana de Letras, do IHGP, jornalista, cronista

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