Toda forma de amor
Alberto Arcela
Não sei bem quando o erotismo chegou às artes de um modo geral, mas essa ciência do prazer me foi apresentada em diferentes momentos da minha vida, e confesso que me apaixonei por ela.
No cinema, chegou chegando com A bela da tarde, vivida pela singela Catherine Deneuve, na pele de uma dona de casa que se entregava a parceiros desconhecidos e seus estranhos desejos.
Poucos anos depois foi a vez de Emmanuelle provocar sem pudor e também sem limites. Mas, foi mesmo O império dos sentidos, do japonês Nagisa Oshima, que mexeu com toda uma geração, ao mergulhar no romance desesperado de uma ex prostituta com seu senhorio.
Numa pegada mais subversiva, reinou absoluto o italiano Pasolini. Primeiro com o inquietante Teorema, e pouco depois com a devassidão de Os 120 dias de Sodoma, inspirado na obra do Marquês de Sade.
E por falar no célebre marquês, não tem como ignorar a importância de Justine na literatura de cunho sexual. A sua síntese é o infortúnio das virtudes e o livro é um clássico do gênero ao lado da Escola de libertinagem.
Mas, o erotismo estrangeiro não estava sozinho no mercado. Haviam muitos outros escritores que faziam sucesso nesse segmento, inclusive o mais tarde imortal Carlos Heitor Cony, autor de O ventre, o primeiro a chegar em minhas mãos.
O livro é de 1955, e foi a primeira obra do autor de Pilatos.
Um outro livro marcante, que foi lido e relido por muitos foi o emblemático A carne, de Júlio Ribeiro. E também os vários títulos de Adelaide Carraro, entre eles o célebre Eu e o
Governador, e de Cassandra Rios, a primeira a tratar da homossexualidade feminina, isso nos anos sessenta, e por isso ela foi perseguida durante a ditadura militar, que censurou vários de seus livros.
E tudo isso num tempo que se cantava o hino nacional e não existia educação sexual nas escolas. A lacuna era preenchida pelos catecismos de Carlos Zéfiro, o maior professor de libertinagem do seu tempo.
Por outro lado, muitos livros censurados circulavam na clandestinidade, não sei como, mas lembro de ter lido alguns deles, com o prazer de estar fazendo algo proibido, num tempo que se cantava que era proibido proibir.
Hoje, eu sei que tudo isso aconteceu por conta da censura. Vim entender bem isso quando li A casa dos Budas ditosos, do excepcional escritor João Ubaldo Ribeiro e assisti a peça homônima com Fernanda Torres.
Hoje, os tempos são outros, com mais tolerância e liberdade de expressão, mas com certeza o que vivemos foi necessário, e de certo modo contribuiu para que as diferentes formas de expressão e de comportamento pudessem evoluir, sem entrar no mérito da questão.
Nesse sentido, a arte cumpriu a contento o seu papel, independente da qualidade e da explicitude do seu conteúdo, e isso foi relevante para a aceitação das pessoas fora da zona de conforto, apesar da censura que se instalou fora dos órgãos de repressão.
Para isso e para tudo o mais, foi fundamental a chegada da Internet e suas inúmeras possibilidades de compartilhamento. Não há mais o que esconder, como também não existe o pecado em nenhum lado do Equador até mesmo porque tudo é relativo.
Visto assim, os livros e filmes da minha juventude são peças de museu e curiosidades que divertem as novas gerações. Até mesmo porque, como diz a canção, toda forma de amor vale a pena.